20 de outubro de 2009


O polémico CAIM...


Para além de deleitar, a obra de ficção tem o poder de conduzir o leitor por vários caminhos: interpretar, reflectir, criticar, julgar, tomar partidos...
Caim, o mais recente livro do Nobel português, foi apresentado ontem em Penafiel. Perante a assistência, Saramago afirmou que a escrita deste romance foi um “exercício de liberdade” e acrescentou alguns comentários sobre as histórias bíblicas (que apelidou de “maus costumes”).
Se alguns entenderam as palavras do escritor como um direito à liberdade de expressão, outros avaliaram-nas como uma provocação escandalosa e ofensiva à Igreja Católica. Há até quem vá mais longe e considere o Nobel uma vergonha nacional...
Quanto a Saramago, sustenta o seu ponto de vista: “A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele”.
Com a religião como pano de fundo, este livro relança uma polémica antiga (aquela que surgiu, há quase duas décadas, com a publicação de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro então censurado).
No que me diz respeito, olho para Caim (que espero terminar de ler assim que o trabalho me der uma folga) como olhei para os romances anteriores, com alguma expectativa e curiosidade. Estou preparada (mesmo porque Saramago já nos tem brindado com inúmeras surpresas) para encontrar qualquer universo ficcional... Estou sobretudo preparada para concordar aqui e discordar ali. Enquanto leitora, tenho o direito e a liberdade de não concordar, mas tenho o dever de respeitar... Afinal, posso ler e apreciar, sem me deixar dominar...
Quanto às palavras que o autor usou no lançamento da obra, hesito entre considerá-las um comentário infeliz para um acto público (pelo qual muitos anseiam por crucificar o escritor), um exercício de liberdade num tom de provocação propositado (que o próprio reclama em relação à obra e que resulta de uma ideologia há muito assumida) ou uma estratégia de Marketing (já que as polémicas despertam a curiosidade e aumentam as vendas!).
Para poder pronunciar-me sobre esta questão e opinar sobre a obra (mesmo porque me incomodam os juízos de valor precipitados e levianos!) resta-me terminar a leitura de Caim e reler algumas passagens do Antigo Testamento... Nada resulta melhor, para consolidar um parecer e fundamentar uma crítica, que uma boa preparação através de leituras cruzadas e de muita reflexão.

20-10-2009

1 comentário:

BE ESMM disse...

Bom, agora que já o li, posso expressar com mais certeza a minha opinião sobre a polémica: não entendo por que existiu. Creio que, se quem se apressou a insurgir-se contra o livro e contra o autor tivesse tido o cuidado de ler primeiro, os clamores não teriam sido tão altos nem os propósitos tão despropositados.
Não é uma das narrativas “maiores” de Saramago – na lista das minhas conhecidas e preferidas – mas é um livro divertido, sobretudo nos primeiros capítulos, que revisita criticamente algumas das histórias terríveis do Antigo Testamento.
De que se pode acusar o autor? Não, por certo, do desconhecimento do texto bíblico, como alguém invocou. Concedamos que um católico fervoroso poderia apontar-lhe a leitura literal dessas histórias, despidas de toda a interpretação simbólica que lhe atribuem os religiosos. Pode, sim, mas apenas isso, no tom em que se discutem as diferentes opiniões. Porque a mesma liberdade que rege uma leitura, deve reger a outra; a mesma liberdade que pega nessas histórias para delas retirar exemplos de defeitos humanos e lições que pretendem corrigi-los, permite pegar nelas para as transformar literariamente em enredos em que o justiceiro Deus se torna um anti-herói da narrativa, um mau da fita.

Maria Manuel