13 de maio de 2009

A palavra da leitora Teresa Capela sobre O Homem Duplicado



O Homem duplicado de Saramago

A história de O Homem duplicado coloca-nos num estado de cisão entre o possível e o impossível. Se é banal encontrarmos alguém cujos traços nos fazem lembrar outra pessoa, já seria estranho encararmos um ser exactamente igual a outro.

Num labirinto de espelhos e de retratos, com o eu afundado numa profunda crise existencial, O Homem duplicado permite reflectir sobre a suposta unicidade do ser humano, pondo-a em causa. Do que lemos fica a sensação de que as máscaras que vamos colocando ao longo da vida, e que vamos tirando de acordo com as circunstâncias ou ao sabor das nossas vontades e dos nossos caprichos, não passam de disfarces, carapaças que permitem resguardar a nossa aparência (ou devemos dizer antes a nossa vaidade?).

A busca narcísica do conhecimento do ego ocorre frequentemente em frente ao espelho, num espécie de desdobramento da individualidade, isto é, de fragmentação da personalidade… Um espelho, onde o real e a imagem se fundem ou se confundem, permite que nos vejamos como os outros nos vêem: superficialmente. E somos tentados a permitir que o espelho nos iluda!

Como reagiríamos se soubéssemos que, algures no mundo (ou pior, na mesma cidade), existe alguém absolutamente igual a nós? A descoberta estranha, fantástica mesmo, de que não somos únicos abalaria certamente a nossa auto-estima. O outro seria encarado como uma ameaça à nossa individualidade. Por isso, no romance de Saramago, perseguir o duplo ou desejar a sua morte significa para o outro manter a sua individualidade.

À boa maneira do romance policial, em O homem duplicado, Saramago revela-se um mestre do suspense. Contudo, para além do ritmo empolgante da intriga, também as reflexões do narrador deliciam o leitor. Saramago vai pincelando a intriga como se de um detective se tratasse, deixando aqui e ali mensagens sobre a vida, sobre a morte, sobre o destino, sobre o sentido da existência…

Duvidamos, ao longo da ficção, que a base do conflito interior das personagens resulte da imaginação ou da realidade. Se optarmos pela primeira, embarcamos no universo fantástico da análise da psique; se preferirmos a segunda, damos por nós a encetar um debate sobre genes e clonagem. De facto, na actual era de globalização, a ciência permite o clone, fruto polémico dos avanços da engenharia genética e possível detonador de crises explosivas de identidade...

Em O Homem duplicado, o narrador vai manipulando a intriga, deixando-a em aberto, e o leitor vai reconstruindo a história ao sabor da sua interpretação, das suas vivências e da sua capacidade dedutiva, imaginativa, crítica e criadora.

Tudo o que lemos nos transforma e nos faz crescer, ou mesmo, renascer… com um novo eu

Teresa Margarida Capela






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